quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Comentário sobre a Hermenêutica da Restauração - Parte 1 - O Silêncio das Escrituras

Comentário sobre a Hermenêutica da Restauração
Texto de Alan Rouse
Fonte: http://rouses.net/blog/hermeneutics/silence-of-scriptures.html

Silêncio das Escrituras

Uma das principais questões que tem dividido as igrejas do Movimento de Restauração têm sido: Que conclusões nós podemos extrair do silêncio das Escrituras. Quando as Escrituras explicitamente comandam ou autorizam algo, ou proíbem algo, a resposta é óbvia. Quando vemos um exemplo na Bíblia de alguma prática do primeiro século que foi permitida por um apóstolo podemos razoavelmente concluir que a permissão serve para nós também. A dificuldade surge nos assuntos que não são citados nas Escrituras – isto é, assuntos em que as Escrituras se omitem. Eu mencionei esse tópico em meus comentários sobre a Quinta Proposição de Thomas Campbell no Declaration and Address de 1809 (Campbell's fifth proposition from the Declaration and Address of 1809: http://rouses.net/blog/13_propositions/revisiting-declaration-and_Address.html ). Eu gostaria agora de examinar mais profundamente a questão.

Noventa e quatro anos depois da Declaration and Address, J W McGarvey se referiu a esse assunto em resposta a uma carta sobre a introdução de um órgão em uma igreja. Ele escreveu:

“(...) Para começar vou utilizar o argumento mais forte. Eu começo discutindo que essa prática pertence a uma classe de coisas expressamente proibidas no Novo Testamento. Jesus disse em referência a determinadas adições que os Fariseus tinha feito ao ritual da lei: ‘Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens’ Nessas palavras ele propõe que a doutrina de toda a adoração é vã já que origina da autoridade humana; ou, para pô-la negativamente, que nenhuma adoração é aceitável a Deus que ele mesmo não tenha autorizado. Paulo reflete esse ensino quando condena como ‘adoração vã’ a sujeição a ordenanças humanas (Colossenses 2:20 - 23). A palavra grega utilizada em “culto de si mesmo” significa imposto por si mesmo, como que distinto de uma adoração imposta por Deus; e as práticas referidas no contexto são condenadas dessa forma, mostrando assim que toda a adoração imposto por si mesmo é errada aos olhos de Deus. Agora é universalmente conhecido que não há nenhuma indicação no Novo Testamento de autoridade divina para o uso de instrumento musical na adoração cristã. Aquele que o emprega, portanto, se encaixa na adoração imposta por si mesmo de acordo com Paulo, e oferece a adoração vã de acordo com Jesus.”

Aqui McGarvey apresentava o que considerou como o argumento o mais forte para proibir o uso de um órgão na adoração. Assim é um argumento central a considerar em nossa discussão.

Eu tenho o maior respeito pelo estudo e a integridade de J.W. McGarvey. Entretanto neste assunto eu acredito que ele se equivoca em seu uso das Escrituras, e conseqüentemente, em sua conclusão. Ele apresenta duas Escrituras para sustentação seu argumento, que eu examinarei um de cada vez.

Primeiramente, ele refere-se a Marcos 7, onde Jesus rebate os Fariseus por impor suas próprias regras ao povo. A passagem descreve diversas regras criadas pelos Fariseus que não eram de Deus:

Marcos 7:3-4 “Pois os fariseus e todos os judeus, observando a tradição dos anciãos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos; quando voltam da praça, não comem sem se aspergirem; e há muitas outras coisas que receberam para observar, como a lavagem de copos, jarros e vasos de metal [e camas]”.

Jesus continua descrevendo um exemplo em que a regra dos Fariseus impedia realmente que as pessoas cumprissem a lei de Deus. Ele citou Isaias, e indicou que a passagem era uma profecia sobre os Fariseus. Sua adoração era em vão porque ensinaram como doutrinas as regras dos homens.

Note os exemplos de tais regras que nós podemos tirar dessa passagem:

Não comer até que você dê às suas mãos uma lavagem cerimonial.
Após o retorno do mercado, aspersão antes de comer.
Regra referente à lavagem dos copos
Regra referente à lavagem dos jarros
Regra referente à lavagem das chaleiras
Dar o que você daria a seus pais ao templo, preferivelmente.

Uma coisa está errada sobre todas essas regras: não foram encontrados nas Escrituras, mas foram criadas por homens. Essas regras podem ter tido a aparência de fazer uma pessoa religiosa, e podem ter sido consistentes com determinadas regras bíblicas, mas eram extensões criadas por homens e conseqüentemente de nenhum valor. De fato, aqueles que ensinaram essas regras (os Fariseus) estavam adorando em vão. Note que isto não é dito daqueles que praticaram as regras, mas daqueles que as ensinaram.

Cada uma das regras acima especificava algo que era para ser feito, de maneira específica. As pessoas esperavam cumprir as regras da maneira prescrita. A implicação era de que aquelas coisas eram requeridas a fim estar bem debaixo das regras farisaicas do Velho Acordo.

Essa é uma passagem curiosa que McGarvey escolha para suportar a regra de nenhum instrumento na adoração. Parece que essa passagem proibiria a regra de McGarvey exatamente na mesma maneira que proibiu os exemplos no texto. Sua regra, como a deles, não é encontrada nas Escrituras. Enquanto sua regra não for consistente com outras coisas nas Escrituras consiste em uma extensão criada por homens e é conseqüentemente de nenhum valor. Sua regra especifica é a de que música na adoração deve ser feita de uma maneira particular (sem instrumentos). E sua regra foi elevada a uma prova para saber quem está em boa posição sob o Novo Acordo. Sua regra está junto com a lavagem dos copos, dos jarros, e das chaleiras.

A segunda passagem discorrida por McGarvey para suportar a regra de nenhum instrumentos é Colossenses 2:20-23:

Cl 2:20-23 “Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade.”

Antes, no mesmo contexto, Paulo diz:
Cl 2: 16-17: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo.”

Neste contexto Paulo admoesta os cristãos de Colossos contra impor regras e regulamento adicionais a além de o que Deus tinha entregado. Ele ilustra com alguns exemplos de regras:

Regras sobre o que a comer
Regras sobre o que a beber
Regras sobre os festivais religiosos
Regras sobre celebrações da lua nova
Regras a respeito do sábado

Não segurar
Não provar
Não tocar

Estes são exemplos de regras que alguém pode pensar em impor à igreja, mas que não são declarados no Novo Testamento. Regras na adoração são inclusas nesses exemplos, que não estavam escritas nas Escrituras. Ele reconhece que tais regras têm uma aparência da sabedoria. Mas ele nega categoricamente que têm valor real, e admoesta a igreja para não seguir tais regras.

Outra vez, essa passagem parece argumentar contra a regra que McGarvey quer defender. A regra de McGarvey de nenhum acompanhamento instrumental ao cantar na adoração não é escrita nas Escrituras. Sem dúvida, homens como McGarvey podem achar que essas regras têm uma aparência de sabedoria. Não obstante, essa regra não tem não mais valor do que os exemplos de Paulo.

Nos dois argumentos acima, McGarvey tenta suportar a regra de nenhuma música instrumental baseada no princípio do silêncio das Escrituras. Ele oferece o argumento mais forte que tem para suportar essa posição. Entretanto, as passagens que se usa parecem na verdade proibir a regra e não suporta-la. Nós não somos autorizados a adicionar as regras baseadas na sabedoria aparente dos homens. Se as Escrituras forem silenciosos, nós não devemos nos intrometer para repor uma suposta deficiência (Quinta Proposição de Thomas Campbell).

Após discutir essas duas escrituras, McGarvey fornece um argumento baseado na história do uso dos instrumentos na adoração. Eu não me remeterei a esse argumento, já que se baseia em raciocínio humano e da história extra-bíblica.

Na segunda carta sobre o mesmo assunto, McGarvey dirige-se à questão da consciência:

“Em Rm 14:23, ele ensina que ‘aquele que duvida do direito de comer é condenado se comer’; e se você duvida do direito de adorar com o órgão, você será condenado se o fizer. Os outros, em tentar forçá-lo a fazê-lo, estão tentando trazê-lo à essa condenação. Com respeito às carnes ele ensina (v. 20) que ‘todas as coisas, na verdade, são limpas, mas é mau para o homem o comer com escândalo’; e, conseqüentemente, mesmo que o uso do órgão for inocente, é mal a aquele que a usa com ofensa. Ele diz (v.15): “Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece, já não andas segundo o amor fraternal.” Conseqüentemente deve ser igualmente verdadeiro que, se por causa do uso do órgão “o teu irmão se entristece, já não andas segundo o amor fraternal.” Ele diz (v.19): “Assim, pois, seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros.” Diga-lhes que você ficaria contente de consentir com o uso do órgão, mas o fato é que você acreditar que isso é errado, e insista que, como eles não consideram errado cantar sem o órgão, esse preceito requer deles, por causa da paz e da edificação, desistir do seu propósito de usá-lo.”

Nesse ponto eu concordo absolutamente com o McGarvey. Nós devemos dispensar instrumentos ou qualquer outra coisa não essencial que divida de alguma forma os irmãos. Entretanto, isso não se refere à questão do silêncio das Escrituras.

O que isso significa para mim hoje? Eu não devo traçar linhas de Comunhão que não são extraídas das Escrituras. Se Deus tem adotado um homem como seu filho, ele é meu irmão. Não é minha escolha se eu gosto disso ou não. Deus fez assim. Enquanto uma pessoa permanece filho de Deus ele permanece minha irmã.

Rm 14:13: “Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão”.

A necessidade urgente da igreja hoje, a fim trazer a unidade, é eliminar as paredes da divisão baseadas nas coisas não encontradas na Bíblia.

2 comentários:

Kathy Short disse...

Você escreveu, “Essa é uma passagem curiosa que McGarvey escolha para suportar a regra de nenhum instrumento na adoração. Parece que essa passagem proibiria a regra de McGarvey exatamente na mesma maneira que proibiu os exemplos no texto. Sua regra, como a deles, não é encontrada nas Escrituras.”

Acredito que você não está aplicando a regra de McGarvey na maneira que ele está.

Marcos 7:6 Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim; 7 mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. 8 Vós deixais o mandamento de Deus, e vos apegais à tradição dos homens. 9 Disse-lhes ainda: Bem sabeis rejeitar o mandamento de deus, para guardardes a vossa tradição.

Há ensinamentos escritos na Bíblia sobre pureza, especialmente pureza de coração – este é o problema. Eles substituíram estes preceitos dos homens pelo ensinamento de Deus sobre a pureza.

Eu entendo que McGarvey está dizendo que nós podemos fazer o mesmo erro. A Bíblia claramente ensina que o povo de Deus deve cantar (paralelo ao ensinamento Bíblico sobre pureza na ilustraço escolhido por McGarvey) e se nós homens acrescentar algo como o instrumento (paralelo às lavagens nesta passagem)estamos culpados ensinando por doutrina a tradiço dos homens.

Pureza – escrita
Lavagens – extensões criadas por homens

Cantar – escrito
Instrumento – extensão criada por homem

Anônimo disse...

A discussão sobre o uso de instrumentos no culto é delicada. Vejo um certo desiquilíbrio ao utilizar o argumento do "Silêncio das Escrituras" para defender a proibição do uso de instrumentos, pois, entre outras considerações, destaco em especial duas:
1º - Temos o hábito de entender como Novo Testamento ou Nova Aliança, o conjunto de 27 livros aceitos no cânon. Mas Novo Testamento ou Nova Aliança não é este conjunto de livros. Novo Testamento trata-se de uma pessoa: Cristo. Novo Testamento é o Seu sangue derramado na cruz. Esse entendimento se faz necessário porque muitas pessoas tratam os livros que chamamos de Novo Testamento, do mesmo modo que o Velho Testamento no que que diz respeito à forma. O Velho Testamento, o próprio Deus ditou as leis. As leis eram específicas; tratavam de detalhes não só da vida religiosa do povo mas também da vida social em geral. As cartas não seguem esta forma. A grande maioria das cartas foram escritas principalmente por causa de problemas na comunidade dos santos no início. As cartas tem menos valor por isso? Claro que não. Deixam de ser inspiradas por isso? Certamente que não. São documentos valiosíssimos "soprados por Deus", mas que estão longe de terem a intenção de tratar de todos os assuntos de forma pormenorizada como é o Velho Testamento.
2º - Outra consideração é o fato de que os instrumentos musicais eram algo que fazia parte da cultura não só dos judeus mas de todos os povos. Sempre foi presente na vida do povo seu uso. Então, pensando na natureza das cartas, que são chamadas juntamente com os evangelhos de Novo Testamento, qual a necessidade de se tratar um assunto que já fazia parte da cultura do povo judeu e de outros povos? Instrumentos não tem a mesma natureza de Batismo, Ceia, Oferta, Fé....é outra esfera.
Apesar desta posição qu exponho acima, reforço que entendo ser melhor não utilizar instrumentos no culto; mas não posso defender tal idéia afirmando que isso é porque o NT não cita nada, claro, pelos motivos expostos acima e também não posso entender que este assunto possa estar relacionado com a salvação do cristão, que é pela fé.